domingo, 14 de setembro de 2008

Será que estou cego?

É sempre muito difícil avaliar um filme baseado numa obra literária, primeiro porque é impossível se esquivar de comparações, segundo porque um texto permite múltiplas construções interpretativas, deixando a cargo de cada leitor a elaboração de um universo imagético. Vim com esse papo acadêmico careta só pra tentar dizer uma coisa, que o filme de Fernando Meirelles não é o meu Ensaio Sobre a Cegueira, nem provavelmente de ninguém que leu o livro. Por mais fiel que Meirelles tenha tentado ser ao texto de José Saramago, adaptações estão sempre sujeitas à pré-concepção de milhares de leitores.
Li o livro em meio ao alvoroço gerado pela notícia que o diretor de Cidade de Deus e O Jardineiro Fiel iria levar pela primeira vez um material de Saramago ao cinema. Já concebi meu universo tendo em mente Juliane Moore e Mark Ruffalo como os rostos dos personagens centrais do romance, mas mesmo assim foi difícil ver na tela um filme diferente daquele que montei na cabeça. Não que Meirelles tenha tomado liberdade de promover mudanças significativas no roteiro, muito pelo contrário, foi fidelíssimo ao original, só que resolveu arriscar justamente na bendita construção imagética de Cegueira.
A fotografia estourada branca, tão comentada antes de seu lançamento, me incomodou bastante ao longo de toda a projeção. Pareceu experimentalista demais, ofuscante demais, distraindo do objeto principal, o conteúdo do texto. Cada take parece querer quebrar paradigmas convencionais, sempre buscando registrar a cena por um ângulo inusitado, nunca encarando de frente a humanidade dos protagonistas. Estética demais, sem necessidade.
Odiei a primeira metade do filme. Tudo muito apressado para chegar logo ao que realmente interessa. Os personagens vão aparecendo na tela sem criar nenhum envolvimento com o espectador (ajudado pelas péssimas interpretações do elenco coadjuvante). Corte seco pra lá, tomada esquisita pra cá, difícil entrar no clima assim. Então eis que Juliane Moore rouba a cena e coloca o filme nos eixos.
A metade final compensa todo o desapontamento. Mérito todo dela que consegue imprimir a humanidade que faltava, fazendo esquecer de todo o experimentalismo equivocado de Meirelles.
Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness) certamente não merecia a recepção gélida que teve no Festival de Cannes (se bem que a versão que está em cartaz é bem diferente da que foi exibida por lá. Contam que, não satisfeito com a receptividade do público, Meirelles chegou a montar o filme 14 vezes), mas infelizmente acabou por não atingir a grande expectativa criada ao seu redor. Bom, essa é apenas a opinião de um pobre leitor. Quem sabe também não estou cego para ver além do que consigo enxergar?

0 comentários:

[voltar ao topo]